A PRÁTICA DA BIBLIOTERAPIA – 8
Estando a começar o meu passeio habitual, encontrei o Sr. Felício à porta do café, juntamente com outra pessoa.
Depois de me cumprimentarem, o Sr. Felício disse-me que esse seu amigo já tinha lido os posts sobre A Prática da Biblioterapia, mas desejava saber mais alguma coisa sobre o assunto porque não encontrava livros sobre isso.
Tive de lhes dizer que, se ele quisessem, poderia dar-lhes algumas noções de como a Biblioterapia se tinha «instalado» em mim, já que as palestras de que sempre tenho falado nunca mais se realizam por vontade das pessoas interessadas ou de entidades competentes.
Essas indicações poderia dá-las depois de chegar a casa, visto que, naquele momento, não conseguia demorar muito, nem podia estar com eles no café.
O Sr. Felício disse que também tinha de ir para o trabalho e que consultaria o blog mais tarde.
Por isso, logo que cheguei a casa, resolvi transcrever neste post, de imediato, as páginas 9 a 16, com o texto do livro «PSICOTERAPIA… através de LIVROS…» (R).
“O QUE É A BIBLIOTERAPIA?
Antes de tudo, convém desmistificar e aclarar certos conceitos e preconceitos que se vêm formando, com informações e notícias nem sempre correctas, mas muito difundidas em vários colóquios e meios de comunicação social, que podem conduzir a ideias confusas, com leituras indiscriminadas ou aconselhamentos inadequados.
BIBLIOTERAPIA, em psicoterapia, quer significar o tratamento do desequilíbrio psicológico, essencialmente, através da leitura de livros, que pode ser complementada com outros meios adequados.
Por isso, essa leitura tem de ser bem orientada, com a finalidade de conduzir o interessado a compreender o modo de funcionamento do comportamento humano isoladamente e em sociedade, embora apenas essa compreensão não seja o suficiente para se fazer a psicoterapia e ganhar ou reganhar o equilíbrio perdido.
Necessita de uma análise cuidadosa, objectiva e racional do comportamento do interessado, da manutenção de algumas práticas essenciais para se reganhar ou readquirir o equilíbrio e, talvez, do exemplo de muito daquilo que aconteceu com várias pessoas que se sujeitaram a este tipo de psicoterapia.
Porém, o prazer ou gosto sentido com quaisquer leituras que podem interessar ao próprio, deve ser designada como BIBLIOFILIA, isto é, amor aos livros ou gosto em os ler, também essencial para quem se quer sujeitar à BIBLIOTERAPIA.
Numa boa biblioterapia com a leitura de livros, pode haver a necessidade de orientação ou do apoio dum especialista para indicar quais os livros mais úteis e necessários num caso específico e até para desfazer algumas dúvidas que irão surgindo normalmente com a leitura dos textos escolhidos e com a análise dos comportamentos inadequados que se desejam eliminar ou diminuir (Frude, 2009).
Com este processo, também se podem melhorar ou ampliar os comportamentos correctos que se pretenderem.
Contudo, se for mal empregada, com leituras inadequadas, pode ocasionar resultados perversos e até criar vício e dependência.
A Biblioterapia, que está a ser implementada e difundida agora em vários países, mas já experimentada em Portugal desde 1980, só com apontamentos policopiados, tornou-se necessária e muito útil, devido aos fracos meios de apoio disponíveis nos serviços da saúde e dificuldade em suportar os gastos com serviços individualizados, quase indisponíveis.
Por este motivo, a BIBLIOTERAPIA começou a funcionar essencialmente como um tratamento «low cost» nos países considerados «civilizados» e «industrializados», nos quais a vida frenética e «isoladora», mas com muitos «divertimentos», se torna cansativa e frustrante, porque a «pertença–afiliação» a uma família e a uma sociedade vai escasseando por falta de tempo e de disponibilidade pessoal.
Em grande medida, a maior parte das vezes, cada um tem de se «desenrascar» sozinho, sem tempo para quase nada.
A Biblioterapia pode ser uma boa solução para isso mas, para se atingir este objectivo, é necessário que a Bibliofilia esteja desenvolvida no interessado ou no «paciente», se possível, desde criança.
A BIBLIOFILIA SERÁ NECESSÁRIA?
Esta é uma pergunta muito interessante.
Se uma pessoa não gostar de leitura nem estiver interessada nela, como poderá conduzir ou sujeitar-se a uma Biblioterapia que exige muita leitura para saber de que modo funcionam o comportamento humano e as peculiaridades às quais se sujeitaram muitos dos que a utilizaram e tiraram dela inúmeros benefícios?
Falando no meu caso, posso dizer que nasci e cresci até aos 17 anos em Margão, uma cidade considerada a «Atenas de Goa».
Muitos dos que tinham alguma instrução, que era pouca, orgulhavam-se de ler os autores mais difundidos naquela época, tais como Emilio Richebourg, Emílio Zola, Alexandre Dumas, Gustavo Flaubert, Vitor Hugo, Perez Escrich, Miguel Cervantes e muitos outros.
Vendo, desde criança, o meu pai e avô envolverem-se nessa actividade, fui incitado a ler e até a sentir-me envergonhado (punição) por não me esforçar em ler ainda mais.
Por isso, como todos se mostravam satisfeitos quando me viam ler a Condessa de Ségur, Enyd Blyton, Charles Dickens, etc., fui desde logo obtendo reforço negativo por não ser envergonhado com a falta de leitura e um reforço positivo com a leitura que ia fazendo.
Esse reforço negativo, para contrariar a vergonha que me causava a falta de leitura e o subsequente reforço positivo quando todos me elogiavam porque lia bastante, moldaram o meu comportamento para o gosto pela leitura, que posso considerar como BIBLIOFILIA.
Como, naquele tempo, além de algum desporto ao ar livre e do carrom, com o qual nos entretínhamos durante algum tempo, não tínhamos quaisquer outros divertimentos como a actual televisão, fui-me embrenhando, mais tarde, na leitura direccionada para Júlio Verne, Emílio Salgari, Sherlock Holmes, Nick Carter e muitos outros.
Ao terminar o Liceu, tive necessidade de ler Júlio Diniz, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão e muitos mais.
Concluído o Secondary School Certificate Inglês e o 3º ciclo do Liceu, não me foi possível frequentar, de imediato, o curso de Direito por razões económicas e financeiras.
Contudo, quando obtive reforço positivo com a nomeação, por concurso público, para conservador interino da Biblioteca Nacional de Goa, ganhei motivação para desenvolver ainda mais a minha bibliofilia com os inúmeros livros que tinha à minha disposição.
Comecei pelo belo romance «Os Brahamanes», do meu patrício Francisco Luís Gomes. Com a instituição do Depósito Legal, fui devorando os livros de Erico Verissimo, José Lins do Rego, Machado de Assiz, Jorge Amado, Gilberto Freire e muitos outros, raríssimos nas livrarias de Goa, naquela época.
Posteriormente, com o meu ingresso na Força Aérea, deixou de haver tempo para a leitura, a não ser nos destacamentos da ilha do Sal, onde tínhamos alguns livros de autores estrangeiros muito em voga na época, tais como Hemingway, Azimov, Somerset Maugham, etc. que serviam para preencher as horas de imenso tédio, no nosso alerta permanente para qualquer missão súbita e imediata.
Posteriormente, com o trabalho cansativo que tínhamos e as constantes mudanças de unidade, sem ter autorização da Força Aérea e possibilidade de frequentar o curso de Direito iniciado em 1958, a saúde foi-se degradando, porque até a minha possibilidade de enveredar pela bem paga aviação civil e comercial, foi cerceada com uma nomeação intempestiva, brusca e intimidatória para a 2ª Região Aérea, ficando colocado no Comando da Região, em Luanda.
Apesar de me sentir psicologicamente «em baixo» e fisicamente depauperado e enfraquecido, com dificuldades essencialmente digestivas e também cardíacas, o meu bichinho da bibliofilia, incentivou-me a ler os livros de Pierre Daco e outros que se encontravam disponíveis na Biblioteca do Comando onde eu trabalhava.
Afinal, a minha bibliofilia serviu para entrar em contacto com alguma coisa que foi o embrião daquilo que, anos mais tarde se transformou, em biblioterapia autodirigida, em psicoterapia.
AS CONSEQUÊNCIAS DA BIBLIOFILIA
Lendo os livros de Pierre Daco, consegui imaginar que alguns dos meus problemas de saúde poderiam estar relacionados com o meu estado anímico, que se encontrava completamente depauperado.
Sentia-me muito mal, com constantes crises de diarreia, transpiração abundante, cefaleias agudas, desorientação momentânea, irritação e desânimo. Tinha dificuldade em lidar com os meus companheiros de trabalho e até com os comandantes.
De novo em Lisboa em 1970, tentei obter licença ilimitada para poder ingressar na TAP, o que me foi tacitamente negado colocando-me nos Transportes Aéreos Militares, que era o equivalente militar da TAP, mas com mais serviço e remunerações muitíssimo mais baixas.
Sem autorização para continuar a frequentar o curso de Direito, como tinha um amigo a frequentar o curso de Psicologia Clínica, no ISPA, aceitei a sua sugestão de me matricular nesse curso, já que, por ser ensino particular, não me exigia a tal autorização da FA.
Dizia o meu amigo que esse curso até me poderia ajudar a compreender e resolver o problema que me afligia no momento: a psicossomática que me desorientava e depauperava completamente.
Iniciado o curso, quando houve conhecimento disso, a minha vida nos TAM tornou-se muito difícil porque não conseguia programar e conciliar as aulas, estudo e exames com as viagens que me eram atribuídas, quase que aleatoriamente e sempre em meu desfavor.
Isso agravou o meu estado psicológico e fisiológico a ponto de recorrer ao psiquiatra, que apenas me medicava e dizia que tinha de resolver os conflitos que deveria ter tido com o meu pai.
Por mais que vasculhe a memória, o único conflito ou desentendimento que tinha tido com o meu pai era o de não ter conseguido iniciar, por razões económicas ou financeiras, o curso de Direito, em Coimbra, logo depois de concluir o curso do Liceu, até com dispensa de exame de admissão à Faculdade.
A medicação que tomava, receitada pelo psiquiatra, deixava-me completamente «inutilizado» a ponto de uma noite, ao conduzir, chegar a ver ou a ter a ilusão de dois carros a dirigirem-se contra mim, sem margem para fugir, quando de facto, eles estavam a passar, na sua mão e faixa de rodagem, em sentido contrário ao meu.
A partir dessa data, deixei de tomar os medicamentos porque me sentia cada vez pior, a ponto de terem de me transferir para uma Direcção de Serviço, com uma carga de vôos destinada a manter apenas o treino mínimo. Assim, ficava um pouco mais livre para frequentar as aulas em regime pós-laboral e fazer os exames em tempo oportuno.
Embora não tivesse conseguido concluir mais do que 3 disciplinas dois anos depois de me ter matriculado, já estava a frequentar, em 1973, em horário pós-laboral, nos Hospitais de Santa Maria e Júlio de Matos, os seminários de terapia comportamental, conduzidos por Victor Meyer, PhD, Reader in Clinical Psychology, da Faculdade de Medicina do Hospital de Middlesex, Londres.
Por isso, comecei a embrenhar-me na prática do relaxamento de Jacobson que também não me satisfazia, tal como continuava a não ter qualquer solução para mim, com as explicações de Pierre Daco.
Entretanto, como os meus sintomas não diminuíam e estava a tornar-me desagradável tanto nos vôos como no serviço em que trabalhava, a Junta de Saúde considerou-me inapto para o serviço de vôo em 22 de Abril de 1974 e passei à reserva.
Deste modo, fiquei com mais tempo e liberdade para assistir às aulas, embora continuasse a «render» pouco. Porém, naquela ocasião, necessitando de ler bastante sobre modificação do comportamento e psicopatologia para «enfrentar» os seminários e as disciplinas que estava a conseguir completar, entrei em contacto com os livros de Sigmund Freud, os quais também não me deram alívio, mas sim um vago conhecimento e quase a certeza de que era necessário examinar o nosso passado para descobrir os traumatismos (positivos e negativos) aos quais tínhamos ficado sujeitos. Isso só se poderia conseguir recorrendo ao armazém − a «cabeça» ou o cérebro − de cada um.
Embora Freud não se expressasse nestes termos, verifiquei que, se era muito importante examinar os traumatismos negativos, os positivos até nos poderiam ajudar a melhorar na vida.
É a aprendizagem com a qual entrei em contacto, quando tive as aulas de Psicologia Geral com o Professor Doutor Orlindo Gouveia Pereira que, depois do «25 de Abril», substituiu um outro, formado em França, que apenas nos obrigava a decorar as definições de atenção, memória, inteligência, etc. sem qualquer utilidade prática.
Assim, quando fui praticamente «envergonhado» no exame, por não saber as experiências de Thorndike, com a aprendizagem das galinhas e as leis do efeito e da repetição estruturadas a partir disso, essa abordagem provocou-me punição. Por isso, embrenhei-me no conhecimento dessas experiências, bem como das dos condicionamentos clássico e operante, respectivamente, de Pavlov e Skinner.
A frustração sentida por não ter sabido responder devidamente no exame oral, fez com que a minha bibliofilia me orientasse no sentido de aprofundar a matéria, lendo tudo aquilo que era possível na época e que estava disponível apenas em livros didácticos em inglês.
Essa «ocupação» de leitura, ocasionava em mim o reforço do comportamento incompatível porque, pelo menos durante esse tempo, não sentia muito as dificuldades que me assolavam.
Não sentindo alívio com o relaxamento de Jacobson, tentei fazer sempre, todas as noites, o relaxamento muscular, à minha maneira, descrito agora no livro «AUTO{psico}TERAPIA» (P) e em vários outros.
Não tendo de manter qualquer posição específica depois dos cerca de 30 minutos do relaxamento muscular, quando estava deitado na cama, pronto para dormir e lembrando-me do que tinha lido nos livros de Pierre Daco e Sigmund Freud, achei que devia utilizar o meu tempo de insónia ou de vigília, para relembrar as coisas boas e as dificuldades que tinha tido na minha vida e ainda estava a passar.
- Quais eram e que efeitos me provocavam ou tinham ocasionado?
- Teria sido possível evita-las, ou melhora-las caso fossem boas?
- Seria possível aumenta-las, diminuí-las ou eliminá-las?
- Que meios tinha eu nesse momento para solucionar o caso?
- Como utilizar tudo isso nos comportamentos futuros?
Tudo isso, com as leituras que estava a fazer, provocavam-me reforço do comportamento incompatível dando-me um certo ânimo para poder ler melhor e estar mais atento nas aulas, a fim de compreender o meio ambiente em que estava inserido e tentar obter formas alternativas destinadas a conseguir ultrapassar as dificuldades.
Deste modo, várias disciplinas foram rapidamente concluídas até que, nos tempos imediatamente posteriores ao «25 de Abril», os «revolucionários?» exigiram passagem administrativa, sem nota, o que invalidou a classificação dos trabalhos concluídos nas disciplinas em que estava matriculado e baixou a minha média final do curso.
Estando nessa época impedido, pelas mesmas razões, de fazer os exames em regime militar, isto é, marcando a data com o professor, acompanhei a minha mulher nos cursos que ela foi frequentar em Walligford e nos estágios e visitas a escolas de toda a Inglaterra, destinadas à integração de crianças com dificuldades no ensino regular.
Verifiquei que muito se utilizava lá a modificação do comportamento para ajudar, de facto, as crianças a ultrapassar as suas dificuldades. Embrenhei-me de tal maneira nesses programas que os psicólogos envolvidos nisso, quase me «empurraram» para me inscrever na Ordem dos Psicólogos Britânica (BPS), o que consegui apenas com uma entrevista aprofundada e discussão de um caso de obsessivo-compulsivo que estava a ser tratado por Laurence Burns, Associate e dirigente da BPS, no serviço por ele chefiado no Hospital de Rochdale.
Embora o requisito necessário fosse um doutoramento americano ou um mestrado inglês ou um exame na Ordem acompanhado de entrevista aprofundada, o meu ingresso na Ordem, como Graduate Member com o nº 0092943, depois dessa entrevista aprofundada, deu-se em 1975, com a possibilidade de exercer clínica em Inglaterra, logo que terminei todos os exames e estágios no ISPA e antes de me inscrever no Sindicato Nacional dos Profissionais de Psicologia, que passava as carteiras profissionais, para exercer em Portugal.
Era um reforço positivo muito grande, acompanhado duma motivação para prosseguir embora, naquela ocasião, não conseguisse uma bolsa remunerada em Inglaterra e tivesse de trabalhar em Portugal.”
São exactamente essas boas experiências que estou agora a tentar utilizar, sempre que possível, com os que procuram os meus serviços… e tem dado muito bons resultados.
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